Gelo? Mesmo em um verão de “rachar-a-moleira”, as temperaturas negativas na aviação nunca estão tão distantes: considere a temperatura no solo de 23°C e as temperaturas próximas a 0°C estarão a 3,5 Km de altura, ou 11.500 pés aproximadamente. Parece muito distante?
Para se ter uma ideia, a maioria dos aviões comerciais voam em uma média entre 10 e 12 km durante o regime de cruzeiro (entre o FL 330 e FL 400), onde as temperaturas podem alcançar dezenas de graus negativos.
O que você talvez não saiba, é que a ocorrência de gelo é mais comum do que costumamos imaginar: mesmo em temperaturas positivas, é possível a sua formação sobre a superfície de uma aeronave.
Quando operamos uma aeronave em baixas temperaturas, com umidade presente, há a possibilidade de formação de gelo que virá a se acumular na sua estrutura ou em seu grupo moto propulsor. O gelo se forma quando um avião voa por meio de uma nuvem ou de um ambiente contendo gotículas de água super-resfriadas.
Água super-resfriada é a que está com temperatura abaixo de zero, mas ainda em estado líquido. Normalmente, essa água viraria gelo a 0 ° C, mas por não existirem “contaminantes”(núcleo de gelo) na qual os gotas podem congelar, ela permanece em estado líquido. Quando o avião voa por meio dessas gotículas de água super-resfriada, ele passa a ser o núcleo contaminante, permitindo que a água se congele em sua superfície.
Por isso, o voo em condições de gelo e baixa temperatura não depende de uma temperatura menor que zero grau Celsius. Apesar da formação de gelo ocorrer com temperaturas de zero grau ou negativas, é possível que ele se forme em temperaturas positivas. Isso devido à velocidade do escoamento do ar e da diferença depressão encontrada em alguns pontos da aeronave, que também podem produzir o efeito de água super-resfriada.
A crença popular é que o problema da formação de gelo nas aeronaves é o peso do gelo acrescido à sua estrutura. Esse não é o caso. O principal problema causado pela formação de gelo é a modificação do fluxo de ar sobre superfícies das asas e de controle de voo.
Quando o gelo se forma nessas superfícies, o equilíbrio das forças aerodinâmicas é afetado e o desempenho da aeronave se deteriora tanto pela alteração da forma dos aerofólios quanto pela mudança da textura da superfície, aumentando seu arrasto e diminuindo a sua sustentação.
Assim, sempre que encontrar algum tipo de precipitação (chuva, neve, granizo etc), névoa úmida ou nevoeiro, a recomendação é voar dentro de formações meteorológicas (nuvens, camadas etc.). Se a temperatura estiver abaixo de 10 graus Celsius, o uso do sistema de proteção antigelo deve ser considerado apropriado.
Quantidades pequenas ou moderadas de gelo geralmente causam uma redução no desempenho da aeronave em termos de razão de subida, alcance, autonomia e velocidade e são conhecidos como eventos de desempenho.
Conforme aumenta a formação de gelo e, consequentemente, a separação do fluxo de ar das asas e superfícies de controle de voo pode haver comportamento instável da aeronave e perda de controle pelo piloto. Para prevenir essas condições, o sistema de proteção antigelo deve ser utilizado para evitar a formação e o acúmulo de gelo na aeronave.
A formação de gelo é comum nas seguintes partes do avião:
Asas e empenagem: o gelo se forma principalmente no bordo de ataque das asas e dos estabilizadores vertical e horizontal, alterando o perfil aerodinâmico do aerofólio e a textura da superfície, afetando o desempenho do voo. Para esses casos, o sistema se utiliza de ar quente fornecido pelo sistema pneumático para aquecer essas áreas pela circulação do ar quente, pelo interior do bordo de ataque.
Esse sistema é normalmente utilizado em aeronaves maiores a jato. Existem sistemas que se utilizam de aquecimento elétrico em substituição ao pneumático, por meio da instalação de uma folha metálica no bordo de ataque. Ao energizá-la, a folha produz aquecimento que derreterá o gelo. Outra possibilidade é o uso de boots de borracha, instalados nos bordos de ataque que, ao serem inflados, quebram e expelem o gelo para fora da superfície.
Hélices: a formação de gelo nas hélices tem o mesmo efeito encontrado nas asas e empenagem, ou seja, altera o perfil da pá e diminui o desempenho da hélice. É comum também ocorrer o desbalanceamento da hélice, causando vibrações. A proteção antigelo é fornecida por aquecimento elétrico ou aplicação de líquido descongelante, como o álcool isopropílico.
Motor: nos motores a pistão, é comum a formação de gelo no carburador, devido à expansão da mistura ar-combustível após o Venturi, que resfria o ar e provoca a condensação e o congelamento da umidade do ar,acumulando gelo junto à borboleta do carburador. O principal sintoma de formação de gelo no carburador é a queda de rotação, devido ao bloqueio da passagem da mistura pelo carburador, agindo como se a borboleta estivesse sendo fechada.
Mas a queda depressão de admissão ou o funcionamento irregular do motor também são sintomas da formação de gelo.O acionamento pelo piloto do aquecimento do ar de admissão é suficiente para evitar o problema.Já nos motores, a reação é comum à formação de gelo no duto de admissão e nas pás do compressor, causando queda de rendimento e provável dano às pás (blades) do compressor, se parte do gelo se soltar e for ingerida pelo motor.
O sistema de proteção antigelo, nesse caso, usa o ar sangrado do motor pelo sistema pneumático, para aquecer essas partes sensíveis ao gelo. Alguns sensores do motor à reação também podem sofrer com a formação de gelo e são protegidos da mesma forma ou por aquecimento elétrico.
Para-brisas: a manutenção da transparência do para-brisas pode ser afetada pela formação de gelo ou de condensação, atrapalhando a visão do piloto. Uma resistência elétrica embutida entre as camadas de vidro, ao ser ligada, provoca o aquecimento do para-brisa e a proteção antigelo. Para aeronaves mais simples, o uso de jatos de ar quente direcionado ao vidro ou à aspersão de líquido anticongelante, pode prevenir a formação de gelo ou o embaçamento do vidro.
Tubos de pitot, sensores e drenos: se entupidos, os tubos de pitot causam informações errôneas nos instrumentos de voo. Os sensores de temperatura, de pressão estática e de ângulo de ataque, para citar alguns,também podem ter seu funcionamento alterado por acúmulo de gelo. Drenos de água também entopem, se congelados. Nesses casos, a prevenção é feita por meio de resistências elétricas instaladas internamente no corpo desses equipamentos, de modo a mantê-los aquecidos o suficiente para evitar a formação de gelo.
Via Free Online Private Pilot Ground School (2012).