Neste ano se comemora os 71 anos do Dia D. Em 6 de julho de 1944, os aliados desembarcaram nas praias da Normandia e iniciaram, de fato, o ataque decisivo para a queda da Alemanha Nazista. A “Operação Netuno”, nome em código da operação de desembarque, é até hoje bastante comentada, principalmente no aspecto meteorológico. Porém, esse aspecto foi apenas o momento mais visível de uma série de prognósticos meteorológicos fornecidos pelos meteorologistas americanos e ingleses durante toda a Segunda Guerra, sendo que certamente esse foi um dos elementos determinantes nos processos decisivos das numerosas operações bélicas dos aliados.
Figura 1 – desembarque nas praias da Normandia em 6 de julho de 1944
Foi exatamente esse fato e uma relativa tomada de consciência por parte das autoridades responsáveis, somado ao crescimento tecnológico, que contribuiu de modo significativo para o desenvolvimento da meteorologia moderna. Hoje as previsões do tempo são baseadas em modelos físicomatemáticos da atmosfera, feitas com o auxílio de poderosos computadores. Porém, nem sempre foi assim. A história conta que o pai destas previsões foi o meteorologista e matemático inglês L. F. Richardson que, durante a Primeira Grande Guerra, começou a trabalhar em um experimento em que consistia na resolução das equações que governavam os movimentos da atmosfera. Tratou-se da primeira real experiência de prever a dinâmica do tempo, em uma previsão de tempo finito (24 horas), obtida por uma sucessão de previsões elementares, em curtos períodos (6 horas), em consideração ao intervalo total da previsão. Os resultados destes cálculos, feitos a mão, desapareceram na grande confusão da guerra. Os rascunhos foram encontrados logo depois e foram publicados em 1922, no famoso livro “Previsão do tempo por meio de cálculos numéricos”.
A experiência de Richardson foi, no entanto, um verdadeiro fracasso: os cálculos previam o movimento das perturbações atmosféricas na direção errada e a uma velocidade fora da realidade dos fenômenos atmosféricos. Os cientistas formularam numerosas hipóteses sobre as razões do insucesso, em particular o conhecimento incompleto do estado inicial da previsão pela falta de cuidado nas análises e a escassa rede de estações de observação do tempo. Mas nenhuma conclusão empírica ou científica pode ser baseada em um só experimento e os cientistas teriam dificuldades em refazer a experiência, pois necessitariam de 64.000 mentes humanas capazes de trabalhar paralelamente para fazer uma previsão do tempo a uma velocidade apenas igual ao desenvolvimento de um sistema meteorológico.
Essa constatação acabou com todo o entusiasmo da tentativa de se prever a dinâmica do tempo por meio de modelagem numérica, e assim ficou adormecida por cerca de vinte anos. O retorno ao interesse nesta área da meteorologia, uma das mais importantes hoje, aconteceu no início dos anos 40. As circunstâncias que favoreceram o desenvolvimento da previsão numérica de tempo estão ligadas à Segunda Guerra Mundial: a ampliação do sistema de observações, o desenvolvimento das telecomunicações e o surgimento dos primeiros computadores. Na Segunda Guerra houve um aumento substancial dos serviços meteorológicos nacionais e as observações deixaram de ser essencialmente “de terra” e passaram, também a fornecer informações do ar e do mar. As operações aéreas passaram a ser mais sensíveis aos fatores atmosféricos e as exigências de observações em quantidade e qualidade aumentaram, fazendo com que a rede de observações aumentasse consideravelmente. Os meteorologistas da RAF e da USAF sensibilizaram os comandantes das operações aliadas da importância de boas observações para confeccionarem boas previsões.
Figura 2 – Dois cabos de uma unidade meteorológica móvel da RAF nos preparativos para o envio de um balão meteorológico.
Nesse contexto, foi criado um conjunto de rede de estações meteorológicas que efetuavam não só medidas de solo, mas, sobretudo, sondagens atmosféricas na terra e no mar. Essas informações não só serviam aos aviadores, mas também aumentava o conhecimento da estrutura tridimensional da atmosfera. Enfim, foi fixado um conceito hoje, indiscutível, da importância das observações periódicas de superfície e de altitude, seja nos aeroportos ou em estações isoladas, convencionais ou automáticas, fixas ou móveis, em proporcionar ao meteorologista a compreensão do estado da atmosfera para que ele possa fornecer um prognóstico que tenha utilidade para todas as atividades humanas. Também, em 1946, foram disponibilizadas as primeiras máquinas eletrônicas com capacidade de fazerem cálculos numéricos a uma velocidade 10.000 vezes superior a um homem. Com esses instrumentos, as complexas equações atmosféricas eram solucionadas em horas, ao invés de meses.
Os meteorologistas decidiram que era o momento de voltar às previsões numéricas, como era vontade de Richardson. Nesse momento, a meteorologia passa da fase de simplesmente ciência para a parte operativa, potencializada com um sistema de coleta, distribuição e armazenamento e manipulação de dados, com objetivos meramente operacionais. O estado inicial da atmosfera sobre as previsões é de suma importância, regressando criticamente ao experimento de Richardson e a moderna previsão numérica de tempo. Destaca-se a complexidade de um modelo que simule a evolução da atmosfera, sem esquecer, jamais, que o modelo não poderá dar informações totalmente confiáveis, mas um excelente guia para os prognósticos. Das cinzas da Segunda Guerra Mundial nascia, em definitivo, a moderna meteorologia, aliando as observações e telecomunicações adequadas e com potentes sistemas de cálculos, para formular e testar toda a complexidade da atmosfera.
E hoje? Bem, hoje os avanços são incontestáveis e os Centros Nacionais de Previsão de Tempo de vários países possuem diversas ferramentas para auxiliarem na previsão, com suas potentes imagens meteorológicas (satélite, radar e modelagem numérica). Agora, o principal fator motivador não é o conflito bélico, mas sim a busca de uma melhor qualidade de vida, com a economia de recursos econômicos de um lado e a ampliação dos recursos disponíveis por outro.
Figura 3 – moderno radar meteorológico na Nicarágua, capaz de prever catástrofes climáticas.
Fonte: Redemet
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