Santos Dumont e os irmãos Wright: afinal, quem inventou o avião?

As glórias e os louros da vitória reservados ao primeiro homem a voar com uma aeronave mais pesada que o ar e que concedem o insigne título de “pai da aviação” ao vitorioso, ainda são motivos de debates entre algumas correntes de opiniões. Inventores e pilotos em diversos países defendiam as suas experiências com o mais pesado que o ar, reivindicando a primazia de terem sido os primeiros a se alçarem aos céus com os seus aparelhos. Entretanto, no momento de sustentarem as suas pretensões perante uma comissão abalizada, ou mesmo, um público que confirmasse o sucesso do voo, os resultados não convenciam.

E foi naquele período de incertezas e de disputas pela primazia da vanguarda da conquista dos ares, que os franceses receberam uma mensagem dos irmãos Wilbur e Orville Wright, donos de uma fábrica de bicicletas em Dayton, Ohio, EUA, dizendo que eles, finalmente, haviam conquistado a glória de fazer voar um aparelho mais pesado que o ar, no dia 17 de dezembro de 1903. Imediatamente, os Wright foram convidados a demonstrar o seu feito inédito perante as autoridades aeronáuticas francesas, mas eles declinaram do convite, segundo afirmaram mais tarde, pelo fato do Flyer 1, o aparelho em que teriam voado, haver sido danificado após o quarto voo daquele dia histórico.

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Os irmãos Wilbur e Orville Wright

O voo do Flyer 1, um aparelho construído de madeira e tela, fixado por um emaranhado de cabos e um motor de 12 HP que impulsionava duas hélices, teria ocorrido na praia de Kill Devil Hills, localizada a 6 km de Kitty Hawk, na Carolina do Norte. A escolha do local fora uma sugestão do engenheiro de origem francesa Octave Chanute, autor da obra “Progress in flying machines”, que, por sua vez, sustentava a opinião nas experiências de Lilienthal e seus planadores, os quais requeriam ventos fortes para se alçarem no ar. Entre os admiradores das experiências de Otto Lilienthal com planadores, encontravam-se, também, os irmãos Wright, os quais sentiram na morte do inventor alemão, a perda de um norte para as suas aspirações de um dia voar. E foi buscando apoio para a continuidade dos seus sonhos, que eles escreveram para Chanute, na época uma das maiores autoridades em aeronáutica nos EUA e profundo conhecedor dos experimentos de Lilienthal. Chanute os aconselhou, ainda, a usar duas asas no aparelho,
ou seja, a adotar o modelo biplano, ao invés do modelo monoplano que vinham usando.

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Figura 2 – Flyer I, 1903

O apoio e os conhecimentos de Chanute foram fundamentais para os dois irmãos. Houve um momento, durante as experiências em Kitty Hawk, que Orville, desanimado com resultados negativos, declarou que ninguém voaria por mil anos. Foi nesta época que Chanute, já um senhor septuagenário, sabendo das dificuldades que os Wright enfrentavam, foi visitá-los e apresentar mais uma vez o seu apoio.

O local escolhido para as experiências dos irmãos Wright era famoso pela frequência e intensidade dos ventos. No dia em que teria ocorrido o voo histórico, os irmãos Wright colocaram o Flyer 1 sobre uma rampa inclinada, feita com um trilho de madeira – o biplano não possuía rodas –, acionaram o motor, enquanto o aparelho era contido por auxiliares, e Orville, estendido sobre a asa inferior, se preparava para o arranque. Dada a largada, soltaram o aparelho de frente para um vento de 22 kt (40 km/h). A reação foi um voo ou um salto com a duração de 12 segundos, que acabou com o choque do aparelho contra o solo. A experiência foi repetida, até que, na última tentativa do dia, a quarta, o Flyer 1 teria voado 260 metros em 59 segundos.

Extasiado com o feito, Orville envia um telegrama ao seu pai, informando sobre o sucesso da quarta tentativa e pede que ele comunique o feito a imprensa. A reação dos órgãos de comunicação, contudo, não corresponde às expectativas dos inventores. Apesar de vários jornais terem sido notificados, a notícia sobre o sucesso do voo somente recebeu crédito de um periódico local. Como se não bastasse a incredulidade momentânea dos jornalistas, as dúvidas sobre o sucesso do voo aumentaram com a impossibilidade de repetição da façanha, em virtude dos danos sofridos pelo aparelho logo após o voo.  Quase dois anos depois, em 1905, tendo construído um novo aeroplano, o Flyer III, os irmãos Wright retornariam às suas experiências. Na sucessão de tentativas, eles teriam conseguido, entre junho e outubro de 1905, voar acima de 38 minutos, cobrindo uma distância de 30 km.

Contudo, os franceses continuavam céticos em relação ao voo. Novamente, a notícia não teria a repercussão esperada. Eles não apresentavam provas convincentes, tampouco possuíam testemunhas de gabarito para convencer a opinião pública do acontecimento. Além disso, havia o fato de o voo ter sido realizado a partir de uma catapulta, e a aeronave correr sobre trilho antes de se alçar do solo. Considerando ainda o forte vento que soprava no momento do voo, as suspeitas de um voo planado aumentavam. Afinal, o tempo não era calmo, o aparelho não decolara com os próprios meios. No aeroclube da França, no início de 1906, o feito dos Wright ainda era amplamente discutido. Havia aqueles que diziam que o voo poderia, de fato, ter sido realizado, mas a incredulidade ainda predominava. Archdeacon que, juntamente com Deutsche de La Muerthe, havia instituído um novo desafio, não se conteve e cutucou: “Eu tomo a liberdade de lembrar que existe na França um modesto prêmio de 50.000 francos com o nome de Prêmio Deutsche-Archdeacon, o qual será atribuído ao primeiro experimentador que fizer voar um aeroplano em circuito fechado, não 39 km, mas somente um. Não os deixará fatigados fazer uma breve visita à França para simplesmente “embolsar” este pequeno prêmio”.

Santos Dumont e o primeiro voo oficial com o 14 Bis

As demandas reclamando a primazia do primeiro voo continuavam. O sucesso dos planadores confundia e dificultava interpretações. O aeroclube francês não arrefecia e insistia em seus julgamentos de que voar com uma aeronave mais pesada que o ar era diferente de planar. Por seu turno, os Wright reiteravam os méritos e o reconhecimento do seu voo, mesmo sem preencherem os requisitos estabelecidos pelos europeus, ao contrário, mantinham a proibição da presença de pessoas neutras nos seus experimentos. Enquanto isso, Santos Dumont preparava-se, com ampla divulgação e comissão técnica previamente designada, para uma tentativa de voo com o seu 14 Bis. Assim, no dia 23 de outubro de 1906, contando com o testemunho de milhares de pessoas e de uma comissão oficial, Santos Dumont voou exatos 60 metros, numa altura entre dois e três metros, no campo de Bagatelle, em Paris, causando êxtase em toda a multidão que assistia entusiasmada a sua proeza.

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Figura 3 – O histórico voo do 14-Bis, aparelho mais pesado que o ar a voar por meios próprios.

O histórico voo rendeu a Santos Dumont o prêmio de três mil francos, concedido por Ernest Archdeacon, um dos fundadores do aeroclube de Paris. Menos de um mês depois do seu voo histórico, Santos Dumont repetiu a façanha, voando ainda mais longe, 220 metros, à altura de 6 metros, em 12 segundos, batendo o próprio recorde. Quanto aos irmãos Wright, depois de 1905, eles só apareceriam novamente em 1908, fazendo demonstrações de voos com o seu aparelho nos Estados Unidos e na Europa.

Em 13 de janeiro deste mesmo ano, Henry Farman venceu o Prêmio Deutsche-Archdeacon, realizando o primeiro voo homologado de um quilômetro em circuito fechado. Foi o primeiro voo com o aparelho fazendo curvas, a demonstrar a sua dirigibilidade. As experiências se sucedem com Farman, Louis Blériot e Gabriel Voisin voando pequenas distâncias com seus inventos. Em outra vertente, tentando fazer voar uma máquina usando os princípios aerodinâmicos de um helicóptero, Paul Cornu se elevou ao ar por 20 segundos, numa altura de 30 centímetros, no que seria o primeiro voo, ou melhor, a primeira elevação de um aparelho com asas rotativas.

Apesar de os Wright terem mantido em segredo as suas experiências, somente em setembro de 1908 eles mostrariam, na Europa, uma foto do voo acorrido em 1903. Na ocasião, quando Wilbur Wright desembarcou na França, o descrédito sobre o seu voo era tão grande que a imprensa publicava artigos ridicularizando as suas pretensões, e anunciava a chegada “não de um aviador, mas de um mentiroso” (GRANT, 2010, p.20). No entanto, sem se perturbar, dias depois ele colocaria o seu avião sobre o trilho da catapulta e, após ser lançado para a decolagem, realizaria um voo de 1 minuto e 45 segundos, um recorde para a época. Os aplausos do público presente à demonstração repercutiram na imprensa, e Wilbur retorna triunfante aos Estados Unidos.

Quer saber mais sobre a polêmica do primeiro voo da história? No próximo post vamos destacar 10 argumentos e questionamentos que contribuem para essa discussão. Não perca!

Fonte: adaptado. GRANT, 2010. VILLARES, Henrique Dumont. “Santos Dumont – O pai da aviação”.

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